Servidores, empresários, produtores rurais, alunos de
escolas particulares, familiares de autoridades e até pessoas falecidas constam
na lista de beneficiários do Bolsa Família, segundo relatórios de fiscalização
produzidos pela CGU (Controladora Geral da União) no início de 2013.
Na última etapa do programa de fiscalização por sorteio,
segundo apurou o UOL, todos os 58 relatórios de municípios divulgados no
site da CGU apresentam indícios de irregularidades no maior programa
social do mundo, que atende a 13 milhões de famílias no país. A fiscalização
foi feita no final de 2012, com relatórios divulgados no início deste ano.
Nesses municípios, a CGU encontrou mais de 5.000 benefícios
pagos a pessoas que supostamente teriam renda per capita familiar superior ao
limite estabelecido pelo programa. O UOL entrou em contato com o Ministério
de Desenvolvimento Social, para obter detalhes de como é feita a fiscalização
aos cadastros e aos municípios, mas não obteve retorno até a publicação dessa
reportagem.
Somente em Belford Roxo (RJ), o relatório da CGU informou
haver "1.512 famílias beneficiárias que constam na folha de pagamento de
Julho/2012 na situação de benefício 'liberado' e que apresentam renda mensal
per capita superior a meio salário mínimo".
Além de irregularidades no pagamento, os relatórios
apontaram para uma série de problemas, como falta de controle da frequência
escolar e do cartão de vacinação das crianças, inexistência de comissão gestora
do programa e até desvios de recursos enviados para atividades complementares.
Pagamentos
irregulares
O principal problema apontado pelos técnicos da CGU é a
inclusão de pessoas com renda superior ao máximo permitido. Em alguns casos, há
também servidores e familiares de autoridades inclusas na lista.
Em São Francisco de Assis (PI), a mulher de um vereador
estava inclusa na lista do Bolsa Família. Outra beneficiária era a filha da
coordenadora de Apoio ao Idoso, da Secretaria Municipal de Assistência Social
--que é responsável pelo cadastro dos beneficiários. Além disso, ela e o marido
são donos de uma panificadora e uma pousada.
Muitos servidores com salários acima do máximo estabelecido
pelo programa também são beneficiários. Em Olindina (BA), cinco servidores
públicos, entre eles dois estaduais da Secretaria da Educação e da Assembleia
Legislativa da Bahia, estavam na lista.
Em Vazante (MG), vários servidores com renda superior a R$
1.000 mensais recebiam o benefício. Um deles ganhava R$ 134 de Bolsa Família,
mesmo com salário de R$ 2.279,05.
Mortos sim, vivos não
Em Xexéu (PE), a CGU encontrou pessoas mortas em 2011 na
lista paga até o final do ano passado. Segundo a inspeção, o problema foi
causado pela deficiência no controle do cadastro.
Enquanto mortos "recebem" o Bolsa Família, há
pessoas vivas, enquadradas no perfil do programa, que ainda lutam para receber
o benefício. Em Lagoa Alegre (PI), uma beneficiária do programa constava na
folha de pagamento, mas afirmou que nunca havia recebido o cartão. Por mês, R$
102 ficam na mão de alguém não identificado.
Enquanto isso, pessoas ricas recebem o benefício, como em
São José do Sul (RS), onde uma produtora rural com faturamento anual, em 2011,
de R$ 955 mil era beneficiária do programa. Em Barra do Ribeiro (RS), uma
mulher era beneficiária, mesmo sendo dona de uma empresa e possuindo, junto com
o marido, cinco carros.
Outros casos de empresários também foram encontrados em
Jaguaribara (CE), onde uma dona de churrascaria recebia o benefício. Em
São Domingos (SE), havia um dono de mercearia na lista.
Sem controle e
desvios
Além dos problemas no pagamento, a CGU também encontrou
outros problemas organizacionais e desvios de verbas pelos municípios.
Em Aliança (PE), a CGU verificou a suspeita de fraude nos
recursos enviados ao programa, com a não comprovações de despesas no valor de
R$ 90 mil. O dinheiro deveria ter sido usado para contratação de empresa
para promoção de cursos de qualificação profissional.
Em Populina (SP), a Coordenação Municipal do Programa não
havia sido instituída formalmente, como prevê o programa. O município também
não havia constituído outra exigência: a instância de controle social do Bolsa
Família.
A falta de controle da frequência de alunos é outro problema
presente em boa parte dos municípios. Em Jaguaribara (CE), alguns filhos de
aluno não eram sequer matriculados em escolas.
CGU explica
Em nota encaminhada ao UOL, a CGU informou que os
cadastros dos beneficiários do Bolsa Família devem ser fiscalizados por
amostragem pelos municípios, uma vez que as informações lá contidas são
autodeclaratórias e passíveis de fraudes.
Segundo a CGU, as pessoas que solicitam o benefício assinam
um termo de confirmação das informações prestadas, mas não têm obrigação de
apresentar documentos que comprovem os dados.
"Os municípios têm a obrigação de verificar as
informações coletadas de pelo menos 20% das famílias cadastradas por meio de
visita domiciliar, a fim de avaliar a fidedignidade dos dados coletados nos
postos de atendimento", informou.
A CGU lembrou que a gestão do programa, porém, é
descentralizada e deve ser compartilhada entre a União, estados, Distrito
Federal e municípios. "Os entes federados devem trabalhar em conjunto para
aperfeiçoar, ampliar e fiscalizar a execução do Programa".
Falhas
A CGU informou que, para sanar as falhas constatadas, são
formuladas recomendações ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à
Fome, "o qual atua junto aos municípios quando necessário." Muitas
das recomendações foram publicadas em relatório no ano passado.
Sobre o controle e fiscalização dos municípios, a CGU ressalta
que "a principal forma de controle sobre a gestão municipal, estabelecida
pela legislação do Programa, é a atuação das Instâncias de Controle Social,
responsáveis pela fiscalização e acompanhamento local". Muitos dos
municípios investigados não tinham essas instâncias.
Sobre o controle da frequência escolar e do cumprimento da
condicionalidade da saúde, a CGU disse que ela é responsabilidade dos
municípios.
Boatos
Há menos de um mês, após boatos de que o Bolsa
Família acabaria ou que haveria um depósito de abono, 900 mil
beneficiários do programa sacaram R$ 152 milhõesem apenas um fim semana, entre
os dias 18 e 19 de maio. Uma semana depois, após reportagem da "Folha
de S.Paulo", a Caixa Econômica Federal confirmou que, um dia antes do
início dos boatos, alterou, sem aviso prévio, todo o calendário de pagamento do
Bolsa Família.
Todos os benefícios, em um total de R$ 2 bilhões, foram
liberados de uma só vez nas contas das 13,8 milhões famílias atendidas. A
Caixa pediu desculpas pelo erro de comunicação. A oposição pediu a
demissão do presidente da Caixa, ao governo, o que foi negado pela
presidência. A presidente Dilma chegou a chamar os boatos de"desumanos"
e "criminosos".
Já a ministra da Secretaria dos Direitos Humanos, Maria do
Rosário, chegou a postar no Twitter que os rumores deviam "ser da central
de notícias da oposição", depois voltou atrás. A Caixa informou ao UOL que
o calendário de junho está mantido, com início de pagamentos dia 17, conforme
datas previamente divulgadas.