De Gildázio Vieira
O PARTO DA BERENICE
Parte 3
(Final)
Berrava e esperneava
Deu um trabalho danado
Para lavá-lo e vesti-lo
Prá ficar bem arrumado
E o deu a Berenice
Com doçura e meiguice
Para ser amamentado
No grande peito leiteiro
Ele o queixo baixou
Em menos de cinco minutos
Um litro e meio mamou
O grande peito esticado
Cheio de leite, pesado
Ficou murcho e desabou
Catarino vendo aquilo
Ficou preocupado, penseiro
Prá criar esse menino
Ia precisar de dinheiro
Pela amostra que veio dar
Parecia vindo do Ceará
E não do ventre caseiro
Mamou tanto que esmoreceu
Ficou no ombro a esperar
O momento oportuno
Para poder arrotar
Arrotou e o barulho
Fez cair um embrulho
Que estava num sofá
Colocaram-no na rede
Para uma soneca tirar
Ele dormia tão pesado
Na redinha a balançar
Roncava feito uma cachoeira
Descendo as ribanceiras
No Agreste do Ceará
Depois que ele acordou
Veio gente o visitar
Cada um trazia chupeta
Pro Garrafada chupar
E alguém trouxe uma balança
Pro recém nascido pesar
Fizeram então a pesagem
O povo se admirou
Oito quilos e meio
Foi o que ele pesou
Já tirando a tara do saco
E os pelos do sovaco
Pois já peludo chegou
Depois disso a contenda
Qual o nome a lhe dar
Uns diziam, põe Vicente
E outros: é Waldemar
Clemência, a debochada
Disse, põe Garrafada
É o que ouço falar
Catarino ficou vermelho
Mas de nada reclamou
O pessoal malicioso
Com o rabo de olho o olhou
A Berenice sorriu
Muito contente o pariu
Apesar do trabalho e dor
Enfim chegaram a um acordo
A Berenice aceitando
Com tantos nomes que deram
Um a um eliminando
Esse era prá ficar
Rosenildo Souza Aguiar
E ele na rede olhando
Na sede do município
No cartório competente
Foi assentado o registro
Diante de muita gente
O Oficial escreveu
E foi ele mesmo quem leu
Pro Catarino contente.
No livro 2 folha cem
Consta o que vou falar
Está assentado o registro
De Rosenildo Souza Aguiar
Filho de Catarino e Berenice
Com os sobrenomes que disse
E só me falta assinar
Assinado e carimbado
E firma reconhecida
O Catarino orgulhoso
Mostrou à sua querida
A certidão de nascimento
Do filho, com sofrimento
Ele veio dar lhe a vida
Quando completou 6 meses
Teve missa no povoado
O casal pediu a um amigo
Prá ele ser seu afilhado
Pois sendo ele cristão
Não queria o filho pagão
Devia ser batizado
Foram muitos os preparativos
Prá esse dia esperado
E mais de cem pessoas
Por eles foram convidados
Muita comida e bebida
Esqueceram a vida sofrida
Todos felizes, animados
Na hora da cerimônia
No meio da criançada
O menino todo bonito
A roupa bem engomada
Todo de azul e de touca
Sem a chupeta na boca
Pois ela nunca tem nada
Quando foram dar os nomes
De toda aquela meninada
Chegou a vez de Catarino
E a sua esposa amada
Rosenildo Souza Aguiar
E alguém prá chatear
Disse baixo “O Garrafada”
O padre muito zeloso
Um a um a batizar
Se aproximou do menino
Ficou pasmo a admirar
Mas que criança tremenda
Parece até de encomenda
E a Berenice a chorar
Pegou a água benta
Na cabeça derramou
Ele deu um berro tão grande
Que até o padre assustou
Botou língua pro vigário
E ainda quebrou um rosário
Que na sua frente encontrou
E depois foi só festança
Todo mundo a dançar
O Garrafada no chão
Tentando se engatinhar
Porque ninguém o pegava
Quinze quilos já pesava
Quem iria se arriscar?
Garrafada foi crescendo
Indiferente ao apelido
Legado pelos acontecimentos
Do seu velho pai querido
Alegre e sem ressentimentos
Zeloso e destemido
Intenso em todos os momentos
Orgulhoso do berço nascido
Veio a sêca impiedosa
Inclemente e traiçoeira
E leva-os do Sertão
Ilusão de uma vida inteira
Rumam-se prá São Paulo
A viver de outra maneira
Sabe-se que essa família
A terrinha jamais voltou
Nunca mais deram notícias
Tudo ali se acabou
Outra vida, outras terras
Só a saudade ficou